Palavras Cruzadas // O meu sonho mais recente
Quem se lembra de um sonho seu recente?
Algo que até o tenha feito reflectir na sua vida? Ou revisitado algum trauma ou até identificado algo novo?
Algo que o tenha deixado a pensar no assunto naquele dia? Ou pelo menos mais do que aqueles 5/7 minutos logo a seguir ao acordar, antes que o o chico-esperto do porteiro do nosso cérebro, se aperceba que fez porcaria e não era suposto ter deixado aquela porta aberta com aquela memória ali à mostra.
Eu não sou muito de sonhar. Até gostava. Mas não mando nisto. Ou então sofro de algum tipo de demência da soneca que me impede de recordar.
Para saber o que sonhei, ou acordo a suar alguidares e com o coração a tambores de carnaval brasileiro, ou então com um grande sorriso nos lábios. Daqueles mesmo estúpidos.
Nesta segunda hipótese nem sei grandes detalhes, mas o sorriso sugere-me algo de bom.
Pode dizer-se que tenho uma espécie de vida dupla. Em que durante o dia sou um humano normal, consciente dos seus actos, atento e que grava o que se passa em seu redor. Mas depois, à noite, torno-me num verdadeiro Batman dos lençóis.
Só que com alzheimer.
De modo geral, só quando a minha longa metragem sonolenta descamba e me obriga a fazer eject de emergência para a vida real, seja por mau argumento, risco de vida, ou acting à morangos com açúcar, é que me recordo de alguma coisa.
É um desses casos que agora vos conto:
Tudo começa no 31º andar de um arranha-céus. De lá consigo ver toda a cidade. As paredes são internas, para fora tudo é vidro.
O sol está a por-se. De repente surgem algumas aves em fuga, desorganizadas e em pânico. Algumas na ânsia da fuga batem contra as janelas do meu andar. O número de aves aumenta drasticamente assim com o barulho dos impactos. Eu assisto a tudo do meu quarto sem perceber o que se está a passar. Olho para baixo e não vejo as ruas, nem as estradas daquela altura.
O barulho termina finalmente. Continuo sem perceber.
Olho de novo em frente e, de repente, um estranho reflexo surge no horizonte. O pôr do sol reflecte em algo que vem na minha direcção e que se desloca rapidamente. Não valorizo. Provavelmente é algum aparelho ou sinal de luz.
Volto a olhar uns instantes depois e agora bem mais perto percebo fico perplexo, não quero acreditar!
Aquele reflexo estranho é a crista de uma onda gigante! E vem na minha direcção.
Um tsunami ao pôr do sol. Que romântico.
A onda aproxima-se a grande velocidade e apercebo-me que é maior do que o arranha-céus onde estou. Fico paralisado com a dimensão. Não há como escapar. É o fim!
O tsunami chega. Sinto o impacto. Fecho os olhos. Preparo-me para o pior.
Felizmente a crista da onda passou por cima e por isso neste momento o meu andar continua intacto, apenas totalmente submerso. É como se tivesse agora um aquário em cada janela.
Só que ali quem está no ambiente fechado sou eu. E lá fora está água.
Sinto-me um peixe humano num aquário de ar.
Aproximo-me das janelas. Aprecio por breves momentos o esplendor daquela imagem. Toco no vidro e noto umas pequenas fissuras. O meu dedo está molhado.
Uma gota de água cai no meu pé - Percebo o que significa aquela gota. Aquela simples gota.
A fissura aumenta lentamente como se estivesse a brincar comigo. Como se uma falsa esperança me quisesse dar. Uma ali, outra aqui, aos poucos vão se propagando por todas as janelas do andar. Muito lentamente e sem nunca se partirem.
A espera é terrível.
De repente um estrondo de vidro estilhaçado. Água na minha direcção! Muita água!
Fiz eject para a vida real.
Voltei com o coração a sambar e encharcado como se um tsunami de suor me tivesse realmente apanhado.
E sim, tenho fobia aquática. Não fica difícil de perceber.
Agora o que eu não sabia é que enquanto eu estou descansado a dormir o meu cérebro se torna num psicopata descontrolado que elabora, por prazer, planos perfeitos de tortura de fazer inveja a muito filme de terror.
P.A
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Este foi o segundo post da rubrica Palavras Cruzadas, criada em parceria com a Rita da Nova. A ideia é irmo-nos desafiando um aos outros através da escrita e escrevermos sobre temas que saem um pouco da nossa zona de conforto ou registo. Onde vocês também podem sugerir temas. A Rita desafiou-me a escrever algo inspirado num sonho recente que tenhas tido e podem ver também como ela respondeu a este desafio no blog dela.
Rita para o próximo texto da rubrica quero ver como te vais safar a falar da problemática da/o namorada/o que adormece sempre a ver filmes com o/a companheiro/a! E se possível com soluções sff.
Dava-me jeito...