O Crava e o Agarrado entram num Restaurante...
Podia ser um início de uma anedota, mas é só mais uma alusão a comportamentos humanos cómicos.
Mas antes de imaginarmos quem paga o quê neste restaurante, vamos começar por apresentar cada uma das personagens.
O Crava
Embora o crava pense ser uma pessoa que nem dá muito nas vistas, toda a gente o conhece.
O crava é aquele elemento do grupo que mesmo que o tema discutido no momento seja qual a cor da gravata do Goucha no "Você na TV" de segunda-feira, se chega à frente e diz:
"Epa por acaso, não tens uma pastilha?"
Ou então:
"Alguém vai ter de me safar nesta, lembrei-me agora que tenho ali o carro no parquímetro e não tenho trocos"
Ou então algo até mais comum, à beira da máquina do café com um amigo:
"Pagas-me este que eu pago-te depois"
É esta a vida do crava. Uma vida saltitante de amigo em amigo, à medida que se vai esgotando o stock de empréstimo por cabeça. Vai saltando numa espécie de versão mais velha de um filho adolescente que ora pede umas vezes à mãe, outras ao pai e aos fins-de-semana aos avós.
No fundo o crava é um Peter Pan que se recusa a crescer no que trata a comprar coisas que sabe que outros lhe podem dar. É esse o segredo da sua carteira sempre jovem, lá bem longe, na Terra do Nunca (vou pagar).
O Agarrado
Se o crava é o Peter Pan, o agarrado é, por oposição, o Capitão Gancho. Este até pode ter um tesouro no barco, mas não empresta um cêntimo a ninguém. Preferindo até ficar sem a sua mão, a perder o seu dinheiro.
O agarrado é aquele elemento do grupo que normalmente até fala bastante. Está ali a rir com o pessoal, a mandar as suas piadas, as suas graçolas até que de repente detecta alguém nas suas proximidades a iniciar o discurso da seguinte forma:
"Ah, faltam-me 2 euros..."
"Bolas não reparei nisto, por acaso podes-me..."
"Esqueci-me da carteira em casa..."
E tudo muda. A graçola termina e a piada fica para outra altura.
O agarrado não quer que saibam que ele é agarrado, então liga o modo de emergência e tenta colocar-se estrategicamente, e sempre de forma subtil, um bocadinho mais distante da pessoa emissora daquele semi-pedido. Para assim, quando o pedido terminar, não ser ele a pessoa mais próxima e a ter de responder. Mantém assim a sua imagem e dinheiro na carteira intactos. Plano perfeito.
Mas caso o agarrado não consiga sair a tempo, assume uma espécie de plano B. Este plano resume-se a tirar a carteira, bem como abri-la da forma mais lenta possível que conseguir. Para assim dar tempo que algum outro colega do grupo (não agarrado) se chegue à frente e empreste primeiro.
E aí o agarrado feliz, sorri, comentando "Eu ia dar, mas foste mais rápido...".
Agora imaginem os dois num restaurante:
A escolha:
O crava pede sem olhar a custos.
O agarrado faz contas ao que escolhe para no fim saber exactamente o que tem de pagar.
Durante a bebida:
O crava pergunta se a bebida está boa e se pode provar.
O agarrado afirma convictamente que tem herpes enquanto o enche o seu copo até ao topo, esvaziando a garrafa.
Durante a refeição:
O crava retira batatas fritas sem perguntar.
O agarrado puxa ligeiramente o prato para si.
Na sobremesa:
O crava pede a mais cara.
O agarrado não quer, está cheio. (de fome)
Quando chega a conta:
O crava dá pela falta da carteira.
O agarrado tenta pagar directamente, só a sua parte, na caixa.
O crava volta a dizer que só agora deu pela falta da carteira.
O agarrado atende um telefonema urgente fantasma.
O crava tenta tirar o cartão da mão do agarrado e pergunta qual é o PIN que ele próprio marca.
O agarrado faz sinal que está com pouca rede e tem de sair, puxando o cartão para si.
O crava insiste mais uma vez.
O agarrado tenta fugir mais uma vez.
E é neste momento que se destroem amizades, meus amigos.
É que o crava não tem mesmo a carteira consigo, faz parte da sua irreverência de Peter Pan, portanto o agarrado, a bem da situação, acaba sempre por ter de pagar.
Ou isso, ou vai mesmo embora por culpa do seu telefonema urgente fantasma e o crava acaba a noite a lavar pratos.
Mas uma coisa é certa, aquela amizade nunca mais será a mesma.
Fica finalmente claro porque motivo o Peter Pan e o Capitão Gancho nunca foram vistos a jantar.
Por isso, meus amigos, muito cuidado com quem saiem à noite.
Mas pelo sim, pelo não, mais vale saírem com agarrados.
É que esses, pelo menos, sempre pagam o deles.
(imagem)
P.A